Um artesão de Tracunhaém, interior de Pernambuco, descobre que suas peças estão sendo negociadas pelo dobro do preço no Sudeste do país, então reúne a família e parte para o Rio de Janeiro em busca de visibilidade. Esse é o enredo da novela Coração Alado – escrita por Janete Clair e estrelada por Tarcísio Meira, exibida entre os anos de 1980 e 1981 – que projetou a pequena cidade da Zona da Mata nacionalmente e tem muito a ver com nossa visita do dia 8 de outubro.
Tracunhaém (a 58 km do Recife) é referência na arte figurativa em barro desde bem antes da novela. Para se ter uma ideia, o nome da cidade significa “panela de formiga”. Terra de grandes mestres na arte de dar forma ao barro, é repleta de peças expostas nas calçadas, lojas e ateliês. Essa imagem das ruas estreitas de Tracunhaém passeia pela minha memória (Hugo) desde a infância, e invariavelmente desemboca noutra lembrança: uma escultura que minha mãe ganhou quando trabalhava na cidade, na época da exibição da novela, e que decorou a casa da minha avó até ela nos dar de presente, há cerca de dois anos. Pois bem, hoje foi dia de revistar a cidade e ver que ela é muito mais rica do que parece.
Logo na principal via de acesso é possível ver várias peças à venda, mas decidimos ir direto ao Centro de Produção Artesanal, que funciona em um casarão no centro da cidade. No local é possível conhecer e comprar peças de vários artesãs/ãos, com preços que vão de R$10 a R$ 700.
Dá para passar horas admirando os detalhes e escolhendo o que levar.
Sentimos falta de guias – para contextualizar, falar da história da cidade e dos artistas – e de sinalização. No início, até ficamos um pouco frustrado, com receio de que nosso passeio se resumisse a um local de vendas. Mas foi só ir além, visitar a área de produção dos artesãos que logo tudo mudou.
Foi lá que encontramos a Dona Nilda, uma simpática artesã que trabalhava em uma escultura de uma mulher sentada, com o cotovelo sobre o joelho e a mão na cabeça.
– Eu tenho uma escultura de mais de trinta anos, bem parecida com essa. Será que foi a senhora que fez?, perguntei.
– Pode ser. É Juca Pirama, a da novela Coração Alado, com Tarcísio Meira. Ele fazia o papel de um artesão que saiu daqui para o Rio de Janeiro e venceu na vida. Na época, a escultura que apareceu na novela inaugurou um estilo aqui em Tracunhaém e influenciou muitos artistas, explicou.
Ela contou que começou a produzir pequenas bonecas de barro quando tinha entre dez e doze anos de idade. Com o sucesso da novela, fez as primeiras Juca Pirama, depois foi aumentando, aumentando, desenvolvendo o estilo, até chegar ao tamanho da peça em que ela estava restaurando quando conversou com a gente: cerca de 1,5 metros.
– Depois eu juntei as esculturas do homem e da mulher e comecei a fazer essas esculturas eróticas, essas posições. Isso é tudo da minha cabeça, contou modelando um sorriso orgulhoso de artista com timidez de senhora.
Passeamos por outros galpões, acompanhamos o trabalho de outros artesãos e vimos as peças queimarem no forno à lenha, mudando do cinza úmido para o marrom claro – apesar do calor de fogo e sol que não nos deixa chegar muito perto.
Perto de irmos embora, pedimos para fotografar Dona Nilda. Ela nos reapresentou o centro, falou da cidade e sua origem indígena, da própria história. Nos despedimos do Centro de Produção Artesanal sorrindo com ela, falando sobre as coisas boas da vida.
CURIOSIDADES
- De acordo com o livro Folkcomunicação no contexto de massa, a escultura utilizada na novela se chamava Juca Pitanga – mesmo nome do personagem do protagonista, interpretado por Tarciso Meira.
- Ainda segundo o livro, a peça teria sido feita por um artesão do Sul do País, exclusivamente para a novela, mas como muitos turistas chegavam na cidade para comprar “a escultura da novela”, vários artesãos passaram a produzi-la.
- A escultura é mais conhecida como Juca Pirama, talvez por influência do poema indianista de Gonçalves Dias. (E se o pessoal de Tracunhaém rebatizou, isso é o que vale e é assim que vou chamar!).
- A primeira cena da novela são trechos da Paixão de Cristo, com José Pimentel, e foi gravada em Nova Jerusalém (clique aqui e assista ao primeiro capítulo).
- Quem nasce em Tracunhaém é tracunhaense.
DICA IMPORTANTE
O Centro de Artesanato funciona aos domingos, mas não a área de produção. Então, quem quiser conhecer artesãos e artesãs ou vê-los trabalhando nas peças, é melhor visitar o local em dias úteis ou no sábado. É interessante, pois a maioria trabalha com encomendas e assim é mais fácil você fazer a sua.
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