Nas Fronteiras da Pandemia – Parte 5 (Final)

Quarta-feira, 11 de março. Estamos em uma pandemia

Quando o guia leu a lista dos passageiros para embarcar no ônibus para o Paraguai, por volta das 6 da manhã, nossos nomes não estavam lá. Por um atrapalho no atendimento virtual da agência, nosso passeio havia sido marcado para o dia 12 (quando não estaríamos mais em Foz do Iguaçu) e, consequentemente, não estávamos entre as pessoas que poderiam cruzar a fronteira. O guia ainda tentou convencer o atendente do quiosque da agência no hotel de que dava para nos levar assim mesmo, mas ambos chegaram à conclusão de que poderíamos ter problemas. Solução: iríamos na segunda viagem do dia, às 9 horas, aproveitaríamos para fazer compras até as 11 horas, quando pegaríamos a van para uma visita guiada por Ciudad Del Este e em Salto Monday, as belas cataratas paraguaias, em Presidente Franco, cidade vizinha.

No pouco tempo entre o desembarque no Paraguai e a hora de pegar a van para o tour, praticamente corremos pelas lojas à procura de miniaturas e Funko Pop, mas chegamos no ponto de encontro na hora marcada. Na minivan azul, fomos recebidos por um rapaz simpático que explicou, em excelente Português, que o passeio seria só com a gente, ele como motorista e outro guia, que tinha ido ao banheiro e chegaria em breve. Escolhemos um lugar de frente para o ar-condicionado, colocamos as sacolas sobre o último banco do carro e o rapaz logo chegou. Breves apresentações e lá fomos nós pelas ruas do centro, ouvindo as explicações sobre a origem da cidade, os nomes que ela já teve e algumas informações geográficas.

As falas até a primeira parada – uma igreja em forma de Navio – foram estritamente profissionais. O guia falava, com um português lento, explicado e sem sorriso, e nós ouvíamos. Mas entre a igreja católica e a Mesquita Del Leste, falei que vi o último gol de Salvador Cabañas pela seleção paraguaia, no estádio do Arruda, contra a Seleção Brasileira, em um difícil 2×1 para a Canarinha. Ele respondeu apenas com um sorriso discreto e imediatamente considerei minha tentativa de diálogo frustrada, mas, alguns quilômetros depois, ao passar em um estádio, ele lembrou de Ronaldinho, o Gaúcho, e fez piada com o fato de ele estar preso no Paraguai. Estava aberta a janela diplomática entre nós.

No caminho até um dos parques da cidade, o guia e o motorista começam a falar em Guarani entre si, o que nos incomoda, pois é um idioma completamente desconhecido para a gente e para a maior parte dos brasileiros. Imagino o que eles devem ter falado:

— Vamos ver se esse casal sabe falar Guarani?

— Vamos. E aí, pessoal, para onde vocês estão indo agora?

— Não, são sabem. Maravilha, podemos comentar qualquer coisa e eles ficarão com essas caras de quem não estão entendendo nada.

Nunca vou saber o que, de fato, eles conversaram. Aquele diálogo se perdeu ali dentro daquela van, e tenho certeza que hoje os dois nem lembram de nós, muito menos do que conversaram. A única maneira de evitar a continuidade dessa situação era questioná-los sobre algo que os deixassem inseguros nos comentários.

— Aqui no Paraguai as crianças têm aula de Guarani e Espanhol na escola?

— Si, sim. São nossas duas línguas maternas, mas na escola também aprendemos Português e Inglês. — Respondeu o guia, lentamente, e prolongando todos os /r/ com uma dicção invejável.

— Então está explicado, vocês dois falam Português muito bem. Até achei que você (apontei para o motorista) fosse brasileiro, quando entrei no carro. — relembrei, e ele pode ter achado que era exagero meu, mas era verdade.

— Obrigado.

— Obrigado.

— E nas ruas, no dia a dia, o pessoal fala mais Guarani ou Espanhol?

— Depende, a gente não percebe que está falando uma coisa ou outra. Nós dois aqui falando em Guarani, vocês devem achar que estamos falando mal de vocês. Não, não estamos – disse sorrindo – é que entre a gente é natural e nós nem percebemos.

A conversa sobre o idioma foi interrompida porque chegamos no parque, “construído pelo ditador Alfredo Stroessner”. Percebi que ele mastigava todas as letras ao pronunciar o nome “ditador”, como se rangesse os dentes no /r/ final. Depois nos mostrou a casa onde morou “o ditador Alfredo Stroessner” e, sim, a pronúncia parecia ser de asco, e não de orgulho. Alívio. Descemos em um açude em frente à Universidade e demos conta de que tudo estava vazio, mas sequer nos perguntamos por qual motivo (pois quem está de férias tende a achar que o mundo inteiro está na mesma condição ou a pensar que todo dia é domingo). Tiramos algumas fotos em um anfiteatro colorido e fizemos comentários sobre o motorista e o guia, enquanto eles certamente faziam o mesmo, sobre a gente, enquanto nos esperavam perto da van.

A parada seguinte foi em uma tradicional Chiparia, onde compramos chipas de vários sabores (um bolinho de farinha de milho e farinha de mandioca), broa (feita com massa de mandioca) e sopa paraguaia, que na verdade é um bolo salgado, mas guardamos para comer quando chegássemos ao hotel. O cheiro bom ficou no carro e o motorista e o guia voltaram a falar em Guarani. Depois, fomos a uma bela catedral, e o rapaz falou sobre a religiosidade do povo paraguaio: católico, em maioria. Aproveitei a leveza da conversa para perguntar sobre os carros que havia visto nos dois dias que andávamos por lá:

— Vi que os carros aqui têm uma logo na dianteira e outra na traseira. Por que isso?

— Hum. Não sei. Acá muitos carros vêm ilegalmente da China, entram pelo Chile e as oficinas trocam o lado da direção. Compreende? Lá, a direção dos carros fica onde aqui anda o passageiro, é invertido, então o pessoal faz essa mudança aqui!

A resposta sorridente e sincera me fez observar quase todos os carros dali até o destino seguinte: Saltos Monday, em Presidente Franco, que fica ao lado de Ciudad Del Este. Assim como os carros, as casas e o comércio na beira da estrada são, na maioria das vezes, pobres e com sinais de improviso em uma parte ou outra. As pessoas caminham sorridentes na rua ou cortam os carros em motocicletas de poucas cilindradas.

— Duas coisas sobre este lugar onde estamos: muitas pessoas acham que Saltos Monday fica em Ciudad Del Este, mas na verdade estamos em Presidente Franco. A segunda é que aqui é onde foi descoberta a Stevia, um conhecido adoçante natural usado no mundo todo.

Voltamos do Parque Municipal de Saltos del Monday sem conversar muito, apenas observando os paraguaios do lado de fora do carro, em uma quarta-feira comum de março. Passamos por duas unidades de Saúde com o nome do ex-presidente Franco, o que diz muito sobre a política local nas últimas décadas, e com os símbolos da cidade, a bandeira nacional e a marca de Itaipu. É um país pobre e, talvez por ciência de sua condição econômica desfavorável, tenta se reerguer com organização e orgulho. Nos despedimos do guia e do motorista no mesmo shopping em que nos encontramos horas antes. Pedimos para eles nos ensinarem “obrigado”, em Guarani.

— Aguyjé!

— Aguyjé! Até mais!

Mais uma visita ao cassino

Foi só conectarmos os celulares ao wi-fi do shopping para recebermos as diversas mensagens de vários grupos e os inúmeros links sobre a mesma notícia, que mudaria tudo a partir dali: A Organização Mundial de Saúde (OMS) havia reconhecido que estávamos em uma Pandemia de Covid-19. Naquele momento não conseguimos imaginar quais consequências viriam a partir daquela declaração. Ficamos preocupados, limpamos as mãos com álcool talvez pela ducentésima vez no dia e decidimos esperar por ali mesmo por mais uma hora, quando pegaríamos o ônibus de volta para o hotel.

Minha garganta estava seca, tão seca que chegava a uma dor aguda. Decidi subir sozinho para comprar água mais barata e, claro, aproveitar para revisitar o cassino em busca de mais detalhes que depois eu transformaria em contos. Subi as escadas apressado e, no último piso, deparei-me com o cassino fechado.

— O governo decretou que cassinos, colégios, universidades devem ficar fechadas por causa da Covid-19 — um funcionário fardado explicava para um casal de brasileiros.

— Que absurdo! Ontem já estivemos em Assunção e o cassino estava fechado, viemos para cá porque talvez estivesse aberto. Não pode abrir uma exceção? — respondeu a mulher, insatisfeita com a resposta. O homem permaneceu calado, mas olhava para mim como se esperasse ouvir alguma fala de reprovação dirigida ao funcionário, o que não aconteceu.

— Não podemos abrir. Se abrirmos, podemos ser multados. Multa. Alta. Olha acá o decreto — apontou para o papel colado na porta do cassino.

Desci as escadas com as águas e contei à Nara o que ocorrera. Nos demos conta de que a universidade estava fechada pelo mesmo motivo. Voltamos no ônibus sentados no lado que dá para o pôr do sol e impressionados com a quantidade de pessoas e de motos que se aglomeravam para passar na estreita Ponte da Amizade, de volta ao Brasil após mais um dia de trabalho. O calor era intenso, e o cheiro do álcool que usamos cada vez que tocávamos em algo, me deixava um pouco enjoado e me fazia lembrar momentos ruins da minha infância: quando minha mãe embebia um pano de algodão em álcool e colocava na minha testa para baixar a febre.

Em frente ao nosso hotel, descemos do ônibus junto com cerca de dez outros turistas. Sequer lembrei de citar o verso de Ascenso Ferreira ao ver o letreiro vermelho do “Bogari”, porque um gesto simpático e cordial repetido pelo guia nos deixou assustados: na porta do ônibus, ele agradeceu a cada passageiro, um por um, com um forte aperto de mão.

Foi a última vez que cumprimentamos alguém com um aperto de mão.

Quinta-feira, 12 de março. A longa viagem de volta

Acordamos às 1h para terminar de arrumar as malas, tomar banho e pegar a van para o aeroporto, onde esperaríamos o voo para Guarulhos, previsto para as seis horas. Assim que levantei, percebi que a garganta continuava seca, mas que já não tinha o corpo tão quente, talvez uma febre leve, que me fizera deitar logo depois que chegamos da pizzaria. A barriga dava voltas e vez por outra voltavam os calafrios que me deixavam assustado. Quando fui calçar as botas com que sempre viajo, senti um pouco de tontura e vontade de vomitar. Talvez fosse a sopa paraguaia que comemos quando chegamos ao hotel, mas que já estava fria, e que somada ao queijo e ao bacon da pizza tenham feito um estrago em mim, mas meu medo é que fossem sintomas da Covid-19.

Perto da 1h30, a van gelada nos deixou no aeroporto, mais gelado ainda. Evitamos sentar nas mesas da praça de alimentação, pois o movimento por lá era grande. Nos dirigimos logo para a área de embarque, habitualmente mais vazia, e no check-in a funcionária da gol nos apresentou uma proposta que nos pouparia algumas horas no aeroporto em São Paulo: “Vocês saem daqui às 5h para o Galeão, no Rio de Janeiro, e às 9h pegam o voo para o Recife. Se vocês forem por Guarulhos, chegarão em Pernambuco lá pelas 17 horas. É mais vantagem”. Sim, era mais vantagem e nos livraria de entrar no epicentro da agora Pandemia no Brasil.

Em frente ao portão de embarque, tumulto para formar fila e muitas pessoas de máscara. A ideia de que “só quem estiver doente deve usar máscaras” nos assustou e, apenas com um olhar, decidimos que seria a hora de nós também cobrirmos o rosto com as máscaras que meu pai havia nos dado seis dias antes, ainda no Recife. De máscaras, na caminhada lenta pelo corredor do avião até as nossas poltronas, os olhares de susto ou de desdém agora também vinham na nossa direção. Sentamos, higienizamos os apoios de braços, as bandejas, a revista e até a janela da aeronave. A viagem até o Rio não teve turbulência e o tempo estava limpo, mas foi longe de ser tranquila.

Sem máscaras, passamos pouco tempo no aeroporto do Galeão, apenas o suficiente para comermos sanduíches com café na fila de embarque. No avião, soubemos que haviam nos encaixado na última fileira, o que me impedia de deitar o encosto para aliviar um pouco das dores nas pernas e a cólica. O frio também era intenso, e estávamos certos de trocar por algumas das cadeiras que julgávamos vagas nas fileiras à nossa frente. De repente, vários integrantes da comissão técnica do Sport Recife entraram no avião e se acomodaram pela aeronave. Compreendi que as cadeiras vagas seriam ocupadas pelo time de futebol rival ao meu. Mas era o time sub-23. Comentei com Nara que eles deveriam ter jogado no dia anterior, tiveram contato com muita gente e teriam contato com muitos outros na próxima semana, por isso, era melhor colocarmos novas máscaras, mais uma vez. Limpamos tudo com álcool e o avião decolou para o Recife.

Perto da capital, o tempo estava chuvoso e a visibilidade era quase nenhuma. O avião fez uma rota incomum antes de posar. Meus ouvidos doíam como sempre, mas não com a intensidade da ida, talvez pelos comprimidos de paracetamol que eu havia tomado nas últimas horas.

[Mensagem de texto – Grupo da Família]

Eu: Chegamos.

Pai: Graças a Deus.

Mãe: Graças a Deus

Eu: Agora é pegar o Uber.

No saguão do Aeroporto Internacional dos Guararapes, nenhum sinal de pandemia. Vida normal e despreocupada. Usamos álcool toda vez que tocamos em algo, até mesmo no próprio celular. Jogamos a mala no banco de trás do carro do Uber para não perdermos tempo. Só queríamos chegar em casa.

O motorista inexperiente errou o caminho e perdeu-se várias vezes pelas ruas castigadas pela chuva até encontrar o nosso endereço. Ao entrarmos no prédio, a sensação era de alívio por concluirmos uma jornada tensa em que evitávamos contato com um inimigo invisível e, até então, pouco conhecido até pelos cientistas.

Abrimos a porta de madeira e acendemos a luz do apartamento com escuridão de dias fechado. Deixamos as malas, os sapatos e parte das roupas perto da porta. Não tínhamos certeza sobre meus sintomas, nem se havíamos sido infectados durante a viagem. Decidimos que não sairíamos de casa até termos alguma certeza.

O que aconteceu depois

Depois da viagem, iniciamos um isolamento voluntário que duraria quatorze dias (como era recomendado), mas que se prolongou conforme o necessário, seguindo todas orientações das secretarias municipal e estadual de Saúde, e da OMS.

Pesquisas mostraram que pessoas assintomáticas transmitem a doença, e que, além de gotículas de espirro, fala ou tosse, a contaminação pode se dar por aerossol. O uso de máscaras passou a ser recomendado para todas as pessoas, assim como o distanciamento.

Não há certeza se as pessoas que tiveram a doença tornam-se permanentemente imunes. O desenvolvimento de vacinas contra a Covid-19 está avançado, na última fase de testes, mas hoje qualquer fala sobre início da aplicação da vacina é mera especulação.

Pernambuco/Brasil

Os dois primeiros casos de coronavírus (Sars-Cov-2) em Pernambuco foram confirmados no mesmo 12 de março, aniversário de Recife e Olinda.

As universidades e as instituições de ensino técnico anunciaram, no dia 15, a suspensão das atividades. Um decreto do governo estadual suspendeu todas as atividades de ensino das redes pública e privada a partir de 18 de março.

Seis meses depois, Pernambuco (com 9,2 milhões de habitantes) contabiliza 136.853 casos de Covid-19 e 7.888 mortes confirmadas. No Brasil são 4.356.690 casos e 132.297 mortes.

Paraguai

No dia 10 de março, três dias após a confirmação do primeiro caso, o governo do Paraguai anunciou a suspensão de eventos públicos em grande escala e atividades educacionais por 15 dias para conter a disseminação do coronavírus.

O Paraguai fechou a Ponte da Amizade no dia 18 de março. Só poderiam entrar moradores do país, mas somente depois de passarem por uma quarentena de 14 dias.

Ignorado pela imprensa brasileira, que parece só ter olhos para Estados Unidos e Europa, o Paraguai (6,9 milhões de habitantes) contabilizou, até hoje, 28.367 casos de Covid-19 e 539 mortes.

Argentina

No dia 12 de março, a Argentina confirmou dez novos casos em Buenos Aires e nas Províncias de Buenos Aires, Chaco e Córdoba, elevando o total de casos para 31. No dia seguinte, a segunda morte no país ligada ao novo coronavírus foi confirmada.

Com uma população de aproximadamente 44 milhões de pessoas, A Argentina soma, até agora, 565.433 casos de Covid-19 e 11.667 mortes, conseguindo manter um dos mais baixos números de mortes pela doença nas Américas.

Nas Fronteiras da Pandemia

Texto: Hugo Peixoto
Fotos: Nara Viana e Hugo Peixoto

Confira a série completa:

Nas Fronteiras da Pandemia – Parte 1
Nas Fronteiras da Pandemia – Parte 2
Nas Fronteiras da Pandemia – Parte 3
Nas Fronteiras da Pandemia – Parte 4
Nas Fronteiras da Pandemia – Parte 5

Nas Fronteiras da Pandemia – Parte 4 de 5

Terça, 10 de março. Antipatia, dólar alto e um narrador no cassino

A manhã da terça seguiu a mesma rotina: café com cautela, álcool em gel e ônibus de hotel em hotel até a agência. As diferenças foram o guia turístico e o destino: fomos para o Paraguai. Rejeitar, saber dizer não, ter uma postura firme e, principalmente, ignorar as pessoas. Essas foram as principais dicas do guia para sobreviver aos insistentes paraguaios que querem influenciar suas compras em Ciudad Del Este, e que me fizeram lembrar que às vezes eu acho que tenho a cara de quem é facilmente ludibriado. Ficamos tensos, mas assim que saímos do ônibus e demos os primeiros passos nas ruas lotadas o “no, no y no” foi libertador.

— Buenos días…

— No.

Fomos ganhando confiança e perdendo a simpatia brasileira entre as inúmeras ofertas de viagra, brinquedos e meias a um palmo de nossas faces. Placas, placas, placas, gritos e palmas, mais placas, outras placas, pessoas carregando mercadorias, carros velhos, motos, turistas, mais meias, tudo isso desvia a atenção, mas é preciso seguir o mapinha da revista e continuar a procura por lojas confiáveis. Até que você vira na esquina e tudo começa novamente: placas, placas, placas, gritos e palmas, mais placas, outras placas, pessoas carregando mercadorias, carros velhos, motos, turistas e mais meias. Encontramos as lojas que procurávamos olhando para o alto (como o pessoal da agência recomendou), livrando os olhos e a mente de uma desorientação espacial repentina causada pela poluição visual.

É interessante como o comércio pulsa em Ciudad Del Este. Para nós, observar essa dinâmica é até mais interessante do que fazer compras, primeiro porque a ideia de viajar para comprar não nos agrada muito e às vezes soa como puro consumismo, segundo porque com o dólar a R$ 4,80 muitas compras deixavam de valer a pena (e ainda dariam trabalho para acomodá-las nas malas para a volta). Tudo está ali à mostra, pronto para ter o valor convertido e ser comprado junto com a sensação de que está fazendo um bom negócio. E tudo cabe nas imensas sacolas que depois caberão nos ônibus, nas vans, nas motos ou nas procissões de compradores que voltam a pé pela Ponte da Amizade. Porém, a jovem vendedora paraguaia explicou que “está pouco movimentado nos últimos meses, porque o dólar está alto”, em Português quase perfeito e pronunciando com precisão todos os /l/.

Em meio a carros velhos, carregadores com imensos pacotes, vendedores de meias e homens que apenas nos observam, uma imensa fachada de vidro dourado e espelhado reflete o sol das 11 horas e encobre a vista do rio Paraná. É o shopping Paris, cujo letreiro substitui a vogal A por uma réplica da Torre Eiffel em três dimensões. Por dentro, o excesso de luzes e o chão bem encerado confirma que shopping é tudo igual. Chama atenção a loja que lota praticamente um andar inteiro com produtos da China. Nem tão lotado quanto ela, no piso superior, encontramos o restaurante recomendado pela agência, um self-service bem brasileiro, inclusive com carnes variadas churrasqueadas na hora e servidas direto no prato por um generoso atendente de espeto e faca na mãos. Fizemos os pratos, escolhemos as carnes, pagamos e limpamos as mãos com álcool em gel – e isso na época parecia o suficiente. Nossa preocupação maior durante o almoço era não esquecer os pacotes e as bolsas que apoiei na perna, sob a mesa.

No último shopping do dia, ponto de encontro para pegar o ônibus de volta ao Brasil, subimos de escadas até o último andar em busca da praça de alimentação indicada na sinalização interna já desgastada, pois já evitávamos pegar elevadores para não ter que tocar nos botões ou compartilhá-lo com alguém “gripado”. Lá em cima, quase todas as lanchonetes fechadas (talvez consequência da localização ou do dólar) e apenas dois estabelecimentos em funcionamento: um restaurante – onde compramos água mineral a R$ 2,50 (um achado) e um cassino. Sim, um cassino! Minha chance de conhecer um cassino de verdade, real, em funcionamento.

O cassino

Entramos. O piso era aveludado, vermelho, e senti como se flutuasse. As paredes eram cobertas por lindas máquinas brilhantes, mostrando morangos, limões, peras, tangerinas e outras frutas multicoloridas que convidam à surpresa de vê-las virar barras de ouro ao som de uma musiquinha eletrônica que lhe transporta aos anos 80. “Moço, moço, moço!”, disse a funcionária do Cassino com luvas de borracha, um borrifador branco com álcool e a simpatia que eu, distraído com tanta luz, sequer esperava. Limpamos as mãos e de repente chegamos às máquinas de bingo. Uma senhora, com cigarro na mão e um copo na outra, não move sequer os olhos. De costas para ela, uma jovem de cabelo acaju faz espera a tela parar de girar enquanto uma voz eletrônica de mulher fala algo em algum idioma não identificado. Não ganhou nada. Lá nos fundos do estabelecimento, vi quatro guias turísticos de uma agência de turismo brasileira nacionalmente conhecida, esparramados nas cadeiras aveludadas e, com os olhos praticamente fechados, inseriam moedas nas máquinas como se por obrigação. Senti-me um narrador construindo a cena de um livro triste.

Sem falar nada, voltamos pelo labirinto de brilhos e sons frenéticos. O cheiro de cigarro misturado com um perfume de morango me dispersou mais uma vez e eu acenei com a cabeça, agradecendo à funcionária do cassino. Talvez ela não tenha entendido. Saímos. Mas continuamos envolvidos naquela cena quase até as escadas para o piso inferior.

— Triste, né? — Nara quebrou o silêncio.

—Muito…

Mais tarde, no ônibus, observamos trabalhadores e turistas cruzarem a ponte de volta para casa e usamos o wi-fi para comparar o preço de nossas poucas compras com o que elas custariam se fossem compradas no Brasil. No hotel, testamos as pulseiras com recursos que ajudariam a contabilizar as atividades físicas na semana seguinte, quando voltássemos à musculação e ao trabalho. Ouvimos música no aparelho de som cheio de luzes e quando percebemos já era hora de jantar. Uma pizza cairia bem!

A pizzaria da avenida de trás

Pizza une as nações. Itália, Brasil, China, Estados Unidos, tudo o que a criatividade e as referências do pizzaiolo permitirem se apresentar naquele palco de massa, queijo e molho. O Google Maps sugeriu uma pizzaria na avenida larga, por trás do hotel, e lá fomos nós com álcool em gel para limpar as mãos e pulseiras chinesas para contar os passos. A Pizzaria Peroni era pequena, mas superprática: bastava pedir, levar um comunicador para a mesa e esperar ele piscar para ir buscar a pizza e a bebida. Limpamos as mãos assim que sentamos nos nossos lugares e comentamos que aquele aparelho era meio anti-higiênico, porque talvez uma pessoa pudesse transmitir o vírus para outra, que não atentasse para usar o álcool depois de pegar o pedido e antes de comer. “Pi-pi-pi. Pi-pi-pi”. Fui buscar a pizza grande de queijo e bacon e descobri que estávamos dentro do horário do clone de chopp. “Então já já eu venho buscar o outro”, respondi.

A pizza era realmente grande, e deliciosa, assim como o chopp que o senhor por trás do balcão extraía orgulhoso da máquina, com os olhos brilhando e quase lambendo os próprios beiços. Comemos e bebemos sem pressa, com suspiros de satisfação. Entre uma fatia e outra, comentávamos sobre as compras do dia, fazíamos planos para a manhã seguinte – quando voltaríamos ao Paraguai – e eu escutava um pouco das conversas das outras mesas – um hábito antigo meu para depois transformar essas falas em algum conto. São vários idiomas, várias idades, vários sorrisos. A TV em uma das paredes mostrava os apresentadores do telejornal da noite bastante sérios e imagens de pessoas completamente cobertas por macacões e máscaras plásticas, mas todos na pizzaria só estavam ali para comer, beber e conversar.

Voltamos pela avenida Brasil lentamente. Cantarolamos, eu imitei vozes de conhecidos nossos e disse que se aquele caminhão antigo estivesse no mesmo lugar na manhã seguinte, eu fotografaria e mandaria a imagem para meu irmão mais velho, que é louco por carros. Os ambulantes na frente do hotel vendem chaveirinhos bem mais baratos que as lojas do Parque das Aves, do Marco das Três Fronteiras e da Itaipu, mas claro que, às vezes, com uma qualidade inferior.

“Ou é um cravo, ou é uma rosa, ou é a flor do Bogari”. Chegamos ao hotel.

Nas Fronteiras da Pandemia

Texto: Hugo Peixoto
Fotos: Nara Viana e Hugo Peixoto

Confira a série completa:

Nas Fronteiras da Pandemia – Parte 1
Nas Fronteiras da Pandemia – Parte 2
Nas Fronteiras da Pandemia – Parte 3
Nas Fronteiras da Pandemia – Parte 4
Nas Fronteiras da Pandemia – Parte 5

Nas Fronteiras da Pandemia – Parte 3 de 5

Segunda, 9 de março. A Garganta do Diabo e as primeiras consequências da Covid-19

Descemos bem cedo para tomar café. Foi a forma que encontramos de evitar consumir alimentos expostos a muitos hóspedes. Dei preferência a comidas quentes e que estavam em recipientes de alumínios tampados, mas não resisti a uma torta salgada de milho, de cujo sabor lembro-me até hoje. Poucos minutos depois, no saguão do hotel, o guia argentino leu nossos nomes na lista sem o sorriso habitual que acompanha boa parte desses profissionais e nos conduziu a um ônibus que passaria em outros hotéis buscando outros turistas até a sede da agência, onde finalmente pegaríamos outro transporte até o Parque Nacional Iguazú, o lado argentino das cataratas.

A viagem demorou mais do que o previsto, e já no ônibus o guia dividiu os turistas em três grupos, com base na velocidade para caminhar e no condicionamento físico, recomendou cuidados com as armadilhas para que você consuma mais no parque e, principalmente, que não interagíssemos com os quatis. Na chamada em que perguntou sobre a cidade de cada passageiro, percebemos que todas as regiões do Brasil estavam representadas naquele ônibus, mas nem pensamos sobre o que aconteceria se pelo menos um passageiro ali estivesse infectado pelo coronavírus, pois naquele período ainda não se cogitava que pessoas sem sintomas poderiam transmitir a doença.

Cataratas Argentinas

No Parque Nacional do Iguazú começamos o passeio com a caminhada até o trenzinho que nos levaria à impressionante Garganta do Diabo. Os pequenos vagões saíam lotados e nós curtíamos o barulhinho do trilho olhando para a mata, pois estávamos cara a cara com uma família desconhecida e que também não queria conversa. Na estação, mais uma parada para orientações e, finalmente começamos a caminhada até a principal queda d’água. Por mais ágil que fossem nossos passos, o ritmo era quebrado constantemente por outros grupos mais lentos que seguiam enfileirados nas estreitas passarelas de metal. Tivemos o azar de encontrar um grupo com dezenas de idosos coreanos – com máquinas Nikon no pescoço, bengalas e até guarda-chuvas – e o processo de “ultrapassagem” foi complicado.

Umas curvas a frente e lá estava ela: a Garganta do Diabo. Uma nuvem refrescante nos envolve e acaba o calor que queimava nossos pescoços e braços, e nosso medo é molhar ou derrubar o celular no meio da pequena multidão que sorri impressionada com a quantidade de água que o Diabo bebe por segundo.

É difícil achar um local para fotografar sem que outro turista apareça posando, e quando finalmente conseguimos, um casal, acho que de mexicanos, se ofereceu para tirar nossa foto. Feito. Depois tiramos fotos deles no mesmo lugar, destrocamos os celulares e trocamos agradecimentos e sorrisos. Na volta, mais coreanos para ultrapassar nas passarelas e mais espera, agora sob o teto baixo e verde da pequena estação de trem, lotada e quente como terminais de passageiros no Recife.

O calor nos acompanhou por todas as trilhas pelo Parque. No mapa entregue pela agência e, de acordo com vídeos a que assistimos pelo Youtube antes de viajar, havia bebedouros com água para encher as garrafas plásticas que carregávamos na mochila, no entanto, nós não os encontramos. Não lembro se chegamos a questionar se usaríamos os bebedouros, devido ao risco de sermos contaminados pelo novo coronavírus. Só encontramos água para comprar na lanchonete do parque, junto com refrigerantes e as famosas empanadas argentinas. Com um pegador de madeira que passava de mão em mão, escolhemos de carne, de frango e de queijo. Depois sentamos na única mesa vaga – ainda com pratos, talheres e guardanapos de outros clientes – e saboreamos aquela maravilha de lanche que os hermanos fazem tão bem.

Durante o passeio, algumas coisas chamaram atenção. A primeira foi que apesar da circulação intensa em ambos os sentidos, era um dia de pouco movimento no parque. De acordo com nosso guia, em tempo de férias escolares e alta vazão das cataratas, aí sim, o lugar fica lotado. Depois, a teimosia das pessoas em contrariar todas as recomendações de segurança e interagir com os quatis – alimentando-os, tentando tocá-los ou arriscando uma selfie.

A lanchonete era toda gradeada, uma forma de evitar a presença dos animais silvestres. Na extensa área de grama em volta dela, grupos de estrangeiros confraternizavam em piqueniques – o que já começava a parecer estranho para nós. Em um desses grupos uma pessoa tossiu e, como de costume, imitamos (entre a gente) o “xiiiiiiii” do Raul Gil.

As empanadas garantiram um conforto no estômago até o final do passeio, mas não por toda a viagem de volta a Foz do Iguaçu, porque uma confusão desnecessária nos fez ficar na alfândega bem mais que o previsto. Os fiscais argentinos perceberam a falta de documento de um dos turistas do nosso ônibus. O guia, desesperado, procurou diversas vezes e, depois de quase 30 minutos, entrou no transporte para informar ao rapaz, que respondeu categoricamente: “você perdeu, porque eu lhe entreguei”. Ambos decidiram descer para resolver a situação na fronteira, e vários outros passageiros decidiram sair do ônibus pois, com a porta aberta, o ar-condicionado já não dava conta do calor. O impasse durou ainda cerca de uma hora, até que o guia e o rapaz descobriram que o documento que faltava era de outro passageiro, com mesmo nome, e que dormia desde a hora em que o guia passou para recolher os documentos. Situação resolvida, todos de volta, e um senhor com a camisa de futebol do Tombense (MG) comenta em voz alta para todos ouvirem:

— A Argentina quer deixar um ônibus em quarentena por causa do coronavírus. Está lá a confusão formada.

— É? Tem alguém doente?

— Lembra daqueles coreanos com quem cruzamos várias vezes por lá? Então, é o ônibus deles. Tem muito caso lá, né? Agora se deixou entrar no país, não tem o que fazer… Melhor deixar cruzar a fronteira de volta e o Brasil que resolva.

Saímos de lá sem saber o desfecho do primeiro impasse “diplomático” em decorrência do novo coronavírus.

Dois hambúrgueres, uma torre de chopp e uma cena preocupante

De volta ao hotel na avenida Brasil, decidimos jantar em uma hamburgueria ali perto e que estava sempre cheia – para nós isso é um bom sinal. Para evitar aglomeração e ambiente fechado, sentamos em uma das mesas da calçada e pedimos dois sanduíches artesanais e uma torre de chopp. Quando a torre chegou, limpamos com álcool a torneira que a pessoa pressiona com o copo para a cerveja escorrer. Antes de nossos sanduíches chegarem notamos uma mesa com pelo menos seis pessoas, entre homens e mulheres, todos aparentemente com mais de 50 anos. Um dos homens era gordo, estava muito bêbado e segurava o garçom pelo braço ou o abraçava pelo pescoço para falar. Eram italianos, notamos pelo idioma. O homem parecia se exaltar em alguns momentos, mas depois gargalhava. Percebi que ele tossia.

Nas Fronteiras da Pandemia

Texto: Hugo Peixoto
Fotos: Nara Viana e Hugo Peixoto

Confira a série completa:

Nas Fronteiras da Pandemia – Parte 1
Nas Fronteiras da Pandemia – Parte 2
Nas Fronteiras da Pandemia – Parte 3
Nas Fronteiras da Pandemia – Parte 4
Nas Fronteiras da Pandemia – Parte 5

Nas Fronteiras da Pandemia – Parte 2 de 5

Sábado, 7 de março. Hotel, passeios e jantar.

Foi difícil acordar na manhã seguinte. Ainda cansados do dia no aeroporto e sem esquecer o petisco gorduroso e a cerveja da noite anterior que cumpriram a função de jantar-fora-de-hora, descemos para o café da manhã no piso do hotel. Na porta, um recipiente de álcool em gel para quem quisesse higienizar as mãos e uma senhora simpática recebia os hóspedes com um sorriso bonito. Observei que quando as pessoas vão pegar os talheres e os pratos, nunca pegam somente no que vão usar, e decidimos que era melhor também limpar os cabos dos garfos e facas quando chegássemos na mesa. Havia poucas pessoas no salão, mas nas idas e vindas ao bufê tão variado, notei pelo menos quatro idiomas: espanhol, italiano, inglês e português. Quantas pessoas já passaram por ali das 6h às 8h e tocariam nos talheres, nas conchas, nas panelas, nas sanduicheiras… Então decidimos limpar as mãos com álcool em gel sempre que retornássemos à nossa mesa.

Foz do Iguaçu é um destino bem conhecido e repleto de atrativos, então não faltariam atividades para o primeiro dos cinco dias de viagem. Começamos com sorte: o motorista do Uber que pedimos para o Parque das Aves deu várias dicas e parou em um quiosque para que comprássemos os ingressos – depois ele explicou que não era somente simpatia, receberia um percentual dos valores através de um código. Sem problemas. Começamos pelo Parque para, de lá, conhecermos o Parque Nacional do Iguaçu, onde ficam as famosas cataratas.

Parque das Aves

Talvez tenha surgido uma nova paixão aqui: fotografar pássaros. Por outro lado, saber que boa parte daquelas aves precisarão permanecer confinadas para sobreviver é angustiante.

Parque Nacional do Iguaçu:

Não sei se pelo horário ou pela baixa vazão, havia poucas filas. No andar de cima de um ônibus colorido e quase vazio, sentimos o vento com cheiro de mata deslizar pelo rosto, e estranhamos o excesso de repelente e protetor solar que três estrangeiros borrifavam nos braços e rostos avermelhados. Decidimos iniciar com a trilha a pé pela mata e o passeio de jardineira pelas correntezas e pedimos parada.

A primeira parte da trilha, em um trenzinho de metal puxado por um trator elétrico, um guia com voz de preguiça lamentou ter que explicar todo roteiro, a fauna e a flora em português, inglês e espanhol (que ele informou não ter tanta habilidade e de vez em quando engolia uma informação ou outra). Um grupo de ingleses – notei pelo sotaque – não prestava atenção alguma, e, sentada à nossa frente, uma guia e intérprete bem babushka, com quem eu havia trocado algumas palavras na bilheteria, traduzia tudo para uma russa e dois russos com pelo menos 25 anos de idade.

— Poka!— a babushka acenou, pois eles continuariam no trenzinho, enquanto nós seguiríamos a pé.

— É… — minha expressão de esquecimento falava por mim.

— Poka! Tchau. Não lembra?

— Ah, sim! Poka-poka! — Acenei e sorri porque lembrava apenas da despedida formal em russo que vira no aplicativo de idiomas, mas ainda não sabia pronunciar “до свидания”.

Depois de uma trilha inteira sem tocar no corrimão – não por medo do vírus, mas sim orientação do guia para evitar tocar acidentalmente em aranhas – chegamos ao local de onde saem as jardineiras. O vestiário fica em um local pequeno e abafado, logo depois de uma escada estreita em que todo mundo sobe e desce sem muita organização. No hall entre os vestiários masculinos e femininos, muitos armários, muitas pessoas, muito barulho e pouco espaço e pouco ar. Troquei minha camisa ali mesmo. Guardamos as coisas e fomos para a fila para o trenzinho, do trenzinho para mais uma fila, e da fila para o barco.

Sentamos na parte do meio do barco: Nara na ponta, eu no meio – ao lado de uma jovem e de seu namorado que riam e xingavam de brincadeira o condutor do barco em espanhol. Todos tremiam de frio e, enquanto tentávamos esconder o rosto dos pingos afiados da queda d’água, por vezes vi meu rosto a cerca de 30 centímetros do rosto da estrangeira, e senti chover no pescoço os gritos da senhora que estava atrás de mim. Coisas impensáveis hoje. Saímos de lá encharcados, espremendo as roupas e sequer lembrávamos da existência do coronavírus.

Perto das 16 horas, chegamos ao lado brasileiro das Cataratas do Iguaçu. Fizemos a trilha maior e, de um dos mirantes vimos diversos urubus sobre a queda d’água em que o barco nos levou para um banho de água gelada. Melhor não pensar muito nisso. Seguimos pelas passarelas metálicas para as impressionantes quedas d’água, refiz (com a mesma pose e uma câmera no pescoço) uma foto que um tio fez em 1995, e que está na parede da casa de minha avó desde então. Em seguida, pacientemente, disputamos espaço no aglomerado de turistas que querem a foto sem ninguém por perto.

À noite, em um restaurante de comida italiana, Nara queixava-se de dor de cabeça e calafrios. Não sabíamos se era o cansaço de um dia intenso ou se resquícios de uma virose que viera na semana anterior, logo depois do carnaval.

Domingo, 8 de março. Paciência, energia e programa de turistão

Descemos para o café da manhã bem cedo e por pouco não fomos os primeiros. Tive o cuidado de escolher as fatias de melancia que estavam por trás da bandeja, não tão expostas. Se alguém tossisse ali, as chances de contaminação seriam menores. Sentei-me virado para a porta, com os ouvidos atentos aos idiomas e os olhos curiosos por sinais de qualquer pessoa que parecesse doente. De cara, todos saudáveis.

Depois do café, tentamos carros da Uber para o Templo Budista, mas dois motoristas cancelaram a viagem e um aceitou, mas ficou rodando pelo bairro para tentar a grana do cancelamento. Tivemos que ir de ônibus. Boa parte do percurso eu dediquei a dispersar toda minha raiva em denúncias e reclamações no aplicativo. A outra parte do caminho foi de medo de descer no local errado e ter que andar muito naquele sol forte e tempo seco.

Templo Budista

Chegamos bem. O templo seria um local de paz e meditação não fossem os pedidos de licença para fotografar e os monomotores que rasgam o céu como mosquitos sobre as cabeças dos budas e vomitam paraquedistas e turistas em voo duplo. Mas descansamos, fizemos pedidos, acendemos incensos e repetimos os mantras que nos fizeram esquecer de tudo que estava além daquele lugar.

Itaipu Binacional

Escolhemos o passeio completo, com tour pela área externa e pelas instalações da usina hidrelétrica de Itaipu, uma das maiores do mundo. A cada etapa do roteiro, eu imaginava as pessoas do meu círculo que não se sentiriam muito bem. Primeiro, as que têm medo de altura, pois em vários momentos andamos por passarelas a dezenas de metros chão. Depois, os claustrofóbicos e os hipocondríacos, pois descemos 14 pessoas no mesmo elevador, respirando o mesmo ar e praticamente sem se mover, por uma altura equivalente a nove andares, para vermos umas das turbinas girar a toda velocidade. Acima de nós, um mundo de água e é quase impossível não imaginar o que aconteceria de aquela obra-prima da engenharia e das relações internacionais se rompesse. Usamos capacetes e enchemos as garrafinhas plásticas em vários bebedouros. Não lembro de ter usado álcool em gel por lá. A sinalização de segurança indica a proibição de tocar em qualquer coisa.

Marco das Três Fronteiras

O percurso entre a hidrelétrica de Itaipu e o hotel foi uma conversa sobre carros roubados na região. O motorista do Uber explicou que os roubos aconteciam em estacionamentos de hospitais e supermercados e os carros eram levados para o Paraguai. Passamos pouco mais de uma hora para tomar banho, trocar de roupa e embarcar em mais um carro, desta vez para o Marco das Três Fronteiras, por favor. “Eu conheço este sotaque”, disse o motorista recifense ainda antes de sairmos da Avenida Brasil. O senhorzinho contou que nasceu e viveu no Recife por anos, mas foi morar no Rio de Janeiro para acompanhar a filha, que havia conseguido um bom emprego por lá. Depois ela foi transferida para Foz do Iguaçu e o convenceu a ir morar lá também, em troca de mais qualidade de vida e livre da saudade. Estava feliz, podíamos perceber pelos sorrisos a cada esquina, e nos deu algumas dicas de como voltar do Marco, pois lá não tem sinal de celular.

A quantidade de veículos tentando estacionar, os guardadores de carros e o fluxo de turistas barulhentos em direção ao prédio de tijolos aparentes dão sinais de que o Marco das Três Fronteiras é um produto bastante lucrativo para as agências e, ao entrar, percebemos que o negócio é organizado, bem ao estilo “turistão”: bilheterias lotadas, catracas rodando a todo vapor e foto do casal aqui, para pagar na saída, se quiser. Foto apontando para a placa, foto sorrindo e foto de um beijinho. A etapa seguinte era a loja de souvenirs, lotada e com todo tipo de lembrancinhas que você já viu ou verá nos demais atrativos, mas por um preço mais caro.

Lá dentro, uma pracinha agradável para ouvir o barulho das águas do chafariz e observar o pôr do sol enquanto espera a apresentação de dança. Uma fila imensa se formou para tirar foto ao lado da placa com o nome dos três países, também havia fila para comprar as fichas, e filas para trocar as filas pelas comidas e bebidas. Com o alimento garantido, o trabalho era encontrar um local para sentar-se, pois mesas e cadeiras eram insuficientes. As pessoas mais sociáveis perguntavam se poderiam sentar e compartilhavam as mesas com desconhecidos, porém minha timidez só permitiu ficar por perto, esperar alguém levantar e sentar no local recém-desocupado.

Os quiosques de comida e as mesas ficaram praticamente vazias quando as apresentações de dança começaram. Fiquei um pouco incomodado com a brancura da bailarina que representava a índia Naipi na primeira apresentação, sobre a Lenda das Cataratas. Depois, durante as danças que representaram os três países, cercados por turistas de todas as idades e sotaques, me dei conta de que uma doença já se espalhara por todo mundo e não tinha mais volta: a doença de filmar espetáculos inteiros com o celular na ponta do braço esticado.

Após a longa apresentação e sem sinal de telefone ou internet, tivemos dificuldade para chamar o transporte pelo aplicativo, conforme previsão do senhorzinho do Recife. Conseguimos um táxi e voltamos sem conversar muito.

Já no hotel, no telejornal da madrugada, vimos que o surto da Covid-19 na Itália havia se agravado, com um aumento expressivo nos números de contaminados e de mortos. O governo italiano estava prestes a anunciar medidas drásticas, que incluíam restrições de viagem, proibição de eventos públicos, fechamento de escolas e espaços públicos, como cinemas, e suspensão de serviços religiosos, inclusive de funerais.

Nas Fronteiras da Pandemia

Texto: Hugo Peixoto
Fotos: Nara Viana e Hugo Peixoto

Confira a série completa:

Nas Fronteiras da Pandemia – Parte 1
Nas Fronteiras da Pandemia – Parte 2
Nas Fronteiras da Pandemia – Parte 3
Nas Fronteiras da Pandemia – Parte 4
Nas Fronteiras da Pandemia – Parte 5

Nas Fronteiras da Pandemia

O relato de uma viagem à beira da Covid-19

Apresentação

Há exatos seis meses, a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou que estávamos em uma Pandemia de Covid-19, provocada pelo novo coronavírus (SARS-Cov2). Naquele dia, uma quarta-feira, estávamos em um passeio turístico em Ciudad Del Este, Paraguai, e sentimos os primeiros efeitos dessa declaração, mas os receios do contágio por uma doença desconhecida começaram bem antes, se acumularam nos cinco dias anteriores e nos acompanharam até a volta para casa, no dia seguinte. Seria uma simples viagem de férias – por isso não entraria aqui no Partiu Interior – mas, pelas circunstâncias e pelo registro de um momento tão difícil para todo o mundo e que ficará na história, vale o registro: como foi viajar na beira de uma pandemia?

Este relato de viagem traz atitudes e gestos comuns, que poderiam ser de qualquer turista, em qualquer lugar do mundo, e que em outro contexto seriam absolutamente normais e até poderiam passar despercebidos. Mas estávamos no início de um problema grave que hoje, seis meses depois, já infectou mais de 27 milhões de pessoas em todo o planeta, sendo mais de 4,2 milhões de casos no Brasil, país que hoje atinge a terrível marca de 130 mil mortos por Covid-19.

Relembrar esta viagem é uma volta no tempo, é pensar em como viajávamos antes de isso tudo começar. É um relato da perda gradual da “inocência” e de como as pessoas pensavam e reagiam quando a doença parecia (ainda) tão distante quanto desconhecida. É também a descrição de pequenos sinais sobre como Brasil, Argentina e Paraguai encarariam o maior desafio sanitário e político dos últimos 102 anos, e cujas consequências serão lembradas por gerações.

Bem-vindos e bem-vindas
a essa viagem.

Parte 1 de 5

Quarta-feira, 11 de março de 2020. Fim de noite em Foz do Iguaçu-PR.

Em uma pequena pizzaria na avenida larga por trás do hotel, sentados na mesa mais longe de todas, observávamos uma dupla que conversava em inglês e um grupo, talvez de argentinos, que conversava tranquilamente e repetia clones de chopp. Havíamos pedido pizza de bacon – mesmo sabor da noite anterior, mas desta vez de tamanho pequeno – e apenas uma lata de refrigerante. Esperávamos apenas que essa soma cumprisse a função de não nos deixar sentir fome algumas horas depois, no aeroporto, pois a vontade de comer era nenhuma. O ar-condicionado, que na terça parecia insuficiente, gelava sem piedade a minha pele, que parecia quente apenas por dentro. Sensação estranha. Pagamos a conta no balcão e limpamos as mãos e o cartão com álcool, encarando os estranhamentos da senhora do caixa e do homem empolgado que gritava os pedidos. Saímos sem falar nada, evitando qualquer comentário que nos fizesse lembrar a notícia que havíamos escutado no Jornal Nacional naquela mesma noite.

Caminhamos lentamente por outra avenida larga, dobramos à direita e chegamos na Avenida Brasil. “Ou é um cravo, ou é uma rosa, ou é a flor do Bogari”, eu repeti o verso de Ascenso Ferreira quando avistei o letreiro do Hotel, assim como em todos os dias da viagem, e completei: “será que está tudo bem? E se a gente estiver infectado?” Nara repetiu que estava tudo bem, que eu não estava doente, e isso me deixou tranquilo. Já no quarto 416, revelei que não me sentia muito bem: a garganta estava seca, o corpo doía e a barriga dava voltas. Talvez fosse cansaço, o tempo seco ou a sopa paraguaia que não descera muito bem. Mas talvez fossem sintomas da Covid-19, não sabíamos. Ninguém sabia.

[Mensagem de texto – Grupo da Família]

Eu: Já no hotel!

Pai: Graças a Deus. Chegam de que horas amanhã?

Eu: Previsão é 17h30… Mas acho melhor o senhor não nos buscar no aeroporto.

Cinco dias antes. A caminho do aeroporto do Recife.

Meu pai faz questão de nos levar e buscar no aeroporto, seja qual for o horário do voo. No caminho de casa até lá, repete todos as recomendações que devo seguir na viagem: cuidado para não esquecer nada, cuidado para não dar bobeira com a mala, cuidado com o táxi ou com o Uber, cuidado com o que come, cuidado com suas aventuras e não vão se arriscar. Mas naquela madrugada vazia as recomendações dele foram concentradas na doença desconhecida que se espalhava pelo mundo: usem máscara e evitem aglomerações. Eu, mal humorado, respondia que não usaria, porque a recomendação era utilizar apenas se tivesse doente, para não faltar para os profissionais de saúde; e ele repetia que havia comprado aquelas máscaras há meses para evitar a poeira da lixa e o cheiro da tinta na reforma da casa. “Não vou usar, está decidido”.

Minha desobediência quase adolescente se baseava não só na OMS, mas na imagem de pais super protetores que às vezes volta nos momentos de estresse e me impede de ouvi-los como deveria. Para nós, lavar as mãos, usar o álcool em gel a todo instante e manter distância das pessoas eram o bastante para reduzir os riscos de contaminação pelo novo coronavírus, além do mais, naquele dia 5 de março, apenas dez casos haviam sido confirmados no Brasil (8 em SP, 1 no RJ e 1 no ES).

Assim que entramos no aeroporto dos Guararapes, avistamos um homem de máscara e logo julguei que deveria estar doente, portanto, deveríamos ficar distantes – o que fizemos. Depois pegamos a fila, embarcamos. Nos rostos dos passageiros, apenas expressões de sono e sorrisos nem sempre amigáveis, nada de máscaras. Usamos álcool e guardanapo para limpar os apoios dos braços, as bandejas dos nossos assentos e nossas mãos durante vários momentos nas três horas até Guarulhos-SP, em um voo tranquilo pelo céu limpo.

Sexta-feira, 6 de março. O dia inteiro em Guarulhos-SP.

Sempre. Meus ouvidos sempre doem. Mesmo sob efeito de analgésico, naquela manhã desembarquei em Guarulhos-SP com a sensação de terem enfiado um prego imenso que percorreu todo meu canal auditivo, atravessou o tímpano e desceu pela Trompa de Eustáquio. Fomos praticamente os últimos passageiros a deixar o avião pelo túnel de metal e vidro em direção ao portão 11 do terminal 1, e eu só ouvia meus passos e minha respiração abafada. Vi quando Nara, ciente da minha quase surdez momentânea, virou-se e articulou lentamente cada palavra que não entendi, então ela gesticulou rapidamente. Atrás dela havia uma multidão, o aeroporto mais lotado que eu já vi.

Eram pouco mais de 9h. O sol que entrava pelas paredes de vidro revelava uma névoa de poeira que envolvia inúmeras cabeças de todas as cores, espalhadas, em grupos ou filas em vários sentidos. Os homens de azul, ainda mais altos que meus 1,93 m, eram de algum time de vôlei – reconheci um da Seleção Brasileira – e imaginei que alguns centímetros a mais deveria facilitar a missão de procurar algum lugar mais vazio. Cadeiras lotadas, filas nos cafés, filas nos banheiros femininos. Nara foi lá, enquanto eu mandei mensagens pelo celular.

[Mensagem de texto – Grupo da Família]

Eu: Chegamos

Pai: Graças a Deus. Como foi o voo?

Mãe: E o ouvido?

Irmão: Graças a deuxxxxxx

Irmão: Aproveitem!

Eu: Tranquilo. Muita gente de máscara aqui.

Pai: Usem máscara.

Eu: Não, está tranquilo. Usando álcool. Agora procurar um lugar para comer.

Pai: Cuidado.

Irmão: Evitem aglomerações.

[Mensagem de texto – Grupo de Amigos]

Eu: Minha gente, aeroporto lotado.

Amigo: Eita.

Eu: Muita gente de máscara. Muita mesmo.

Amigo: Foto foto foto foto foto!

Eu: Tenso

Amiga: Amigo, você é muito assustado. Já percebeu? Vai ficar tudo bem, vocês não vão ficar doentes. Aproveitem a viagem.

Eu: Tem uma galera com máscara que usam em construção civil.

Amigo: Foto foto foto foto foto!

Andamos por todo terminal até encontrarmos um lugar para comer pão de queijo e chá-mate. Fila para fazer pedido, fila para receber a comida e pessoas em volta das mesas esperando que alguma delas desocupar. Conseguimos uma perto do balcão de atendimento, de onde ouvíamos todos outros pedidos, limpamos as mãos com álcool e, apesar das cinco horas de espera até o voo para Foz do Iguaçu, comemos sem demora e levantamos para desocupar a mesa e sair do tumulto. Mas para onde iríamos?

Teríamos até as 14h para vagar pelo aeroporto livrando-se de aglomerações. Encontramos duas cadeiras vagas no lounge do corredor que dá no Terminal 2 e ficamos algumas horas por lá lendo revistas, livros e trocando mensagens com outras pessoas por aplicativo. Na hora do almoço, limpamos a bancada de madeira, as latas de refrigerante, e as mãos e finalmente comemos dois “hot dogs gourmet” com gosto de papelão e que custaram uma nota. Conversamos sobre os aviões que víamos chegar e sair e eu mostrei os detalhes das aeronaves que havia aprendido nos canais do Lito e do Fernando no Youtube, em vídeos que haviam me ajudado a superar o antigo medo de voar. De repente nos demos conta de que o corredor estava vazio porque do Terminal 2 vinham as pessoas chegavam de voos internacionais. O coronavírus já se espalhara por mais de cem países, mas o Brasil sequer cogitava impedir a entrada de estrangeiros. “Melhor sair daqui”. Então andamos pelo Terminal 1 mais uma vez à procura de um lugar para sentar, longe dos passageiros que se multiplicavam a cada hora daquela sexta-feira.

Percebi que por uma das escadas entre o corredor e uma loja não havia movimento algum, e também não havia placa proibindo o trânsito por ali. Decidimos descer os degraus para averiguar o que havia no piso inferior e achamos um pequeno paraíso: um portão de embarque talvez em reforma, com cadeiras vazias e ninguém por perto. Esticamos as costas nas pequenas cadeiras azuladas (se é que é possível esticar-se ali), deitamos as pernas sobre as malas e cheguei a cochilar por quase meia hora. Acordei preocupado com a hora do embarque e abri o aplicativo Flightradar24 para acompanhar as informações do nosso voo.

— Previsão de atraso. Remarcado para as 15h. Vamos verificar no mural.

— Vamos.

Em um dos murais do tumultuado andar de cima o voo estava confirmado, e as pessoas já iniciavam uma fila perto do portão de embarque. Porém, a cada atualização, a hora de embarque tornava-se mais distante. Depois, recebemos um voucher para refeições do outro lado do aeroporto. Tivemos a sorte de sentar em uma mesa que uma funcionara acabara de limpar com álcool e, mesmo assim, tínhamos o cuidado de tocar apenas nos talheres e no copo plástico. Atravessamos todo o aeroporto de volta, tivemos que passar por filas, portões, revistas, detectores e, finalmente, Terminal 1. Somente às 18h30 chegamos à última fila, na porta do avião, diante de um funcionário mal humorado que insistia para despachar a bagagem sem custo. “Não, obrigado”.

Mesma noite. Voo de Guarulhos a Foz do Iguaçu.

Os assentos verdes meio desbotados chamaram minha atenção e me fizeram pensar que a pintura branca e laranja da parte exterior era a parte mais nova da aeronave. Seria uma preocupação se eu ainda tivesse medo de voar. Só queremos chegar. Nossas poltronas entre a asa direita e a cauda, e cercadas por uma família que inicialmente pensei ser de italianos. As brincadeiras entre o pai e a filha na fila de trás revelam um espanhol de pronúncia muito rápida. A mãe sentou-se ao meu lado com uma bebê, mas depois trocou como filho de dez ou onze anos que estava na fila da frente. Avulso ao meu lado, levantou, brincou no corredor, falou e irritou com joguinhos de celular por quase todo percurso.

Nas curvas, antes de iniciar a descida, o garoto espirrou bem no meu braço.

Nas Fronteiras da Pandemia

Texto: Hugo Peixoto
Fotos: Nara Viana e Hugo Peixoto

Confira a série completa:

Nas Fronteiras da Pandemia – Parte 1
Nas Fronteiras da Pandemia – Parte 2
Nas Fronteiras da Pandemia – Parte 3
Nas Fronteiras da Pandemia – Parte 4
Nas Fronteiras da Pandemia – Parte 5